Esta foto nada tem a ver com a postagem - Está aqui apenas ilustrando a página. Um belo pôr do sol , visto do Rio Vermelho.
Em tempos em que consideração e respeito ao próximo não são mais valores apreendidos em casa, as novas gerações agem como se o mundo fosse uma temível selva na qual, cada indivíduo deve comportar-se como um ser individualista e destituído de qualquer espírito comunitário e solidário. É a lei do cada um por si. Tenho experimentado na pele esta triste realidade.
Esta semana recebi uma carta um tanto intimidadora de um estabelecimento barulhento aqui ao lado de casa. Em resumo, a tal carta avisava que eles não vão mais tolerar que eu vá até lá reclamar do barulho que eles fazem. Eles sentiram-se incomodados com minhas repetidas reclamações de que o barulho deles incomoda à mim, à minha família e a outros visinhos, alguns, pessoas idosas, residentes aqui há mais de 40 anos. Sentiram-se ofendidos, pois, em sua compreensão, seu alvará lhes dá total permissão para fazer de nossa vida um inferno e, por isso, devemos aturá-los a todo custo. Bonito, não? Mas como este é o país dos absurdos, junte-se este a todos os outros.
Meus contínuos apelos ao proprietário do estabelecimento, um jovem e inexperiente empresário, considera-se um ambientalista, vejam só, para que o barulho fosse eliminado, uma vez que seu empreendimento foi instalado numa área residencial, nunca foram atendidos. Ao contrário, a cada vez que pisava os pés por lá para fazer minhas queixas, ele me olhava com expressão e sorriso de desdém. Eu teria de aprender a conviver com a sua presença, ele informava. Barulho em área residencial não é o tipo de poluição que todo ambientalista deveria reprovar? Nem os apelos pela minha mãe idosa e doente fizeram diferença alguma. Afinal, quem está sofrendo é a mãe dos outros e não a dele.
Até há poucos tempo atrás, o estabelecimento se apresentava como um empreendimento ambiental, preocupado com a qualidade de vida em nosso planeta. Bem pomposo, não? Talvez eu entendera errado, a qualidade de vida a que ele se referia era, na verdade, a de seu proprietário, o ambientalista de carteirinha, e não um bem comum para todos. Coisa chata. Eu também me preocupo com o meio ambiente, com a qualidade de vida do ser humano como parte deste ambiente, sobretudo. Sou um humanista. Mas, como muitas vezes acontece com as grandes idéias, infelizmente, a vaca foi pro brejo. O tal papo ambiental do jovem e arrogante empresário não emplacou, ninguém comprou sua idéia. Para não ficar no prejuízo, o consciente ambientalista empresário, transformou o local em casa de shows e espetáculos. Rebatizou aquilo de espaço cultural. Engraçado, né? Eufemismo é uma ferramenta poderosa no mundo dos negócios. Fazem as coisas parecerem melhores do que elas realmente o são. O veterinário não praticou eutanásia em meu saudoso velho cão doente, apenas o colocou para dormir placidamente com uma injeção. Se como empreendimento ambiental este lugar ao lado de minha casa já incomodava, você pode imaginar o que aconteceu ao ser elevado à categoria de espaço cultural. Não há nada de errado em pessoas tentar ganhar a vida de algum modo, desde que o seu negócio não seja um estorvo para outros. É aquela velha frase que nos chama ao bom senso, a qual eu já ouvia nos tempos do Tereza de Lisieux, "o direito de um, termina onde começa o do outro", seja lá o que isto queira dizer.
Este episódio me fez lembrar que não muito longe aqui de casa, precisamente na rua Jequié, funciona há anos, de modo discreto e despercebido, um bordel. Isso mesmo, um brega, ou casa de massagem, como se costuma dizer hoje em dia. É aquela estória do eufemismo que eu lhes contei há pouco. Um puteiro aqui perto? Eu nunca soube disso até recentemente, apesar de sempre ter passado em frente à tal casa sem nunca perceber nada de extraordinário ali. Mesmo depois de tomar conhecimento, e de tentar observar com um olhar mais crítico a sua movimentação, quando por lá passava ocasionalmente, não percebi nada de incomum. Contudo, coletando informações aqui e ali, na inocente intenção de, futuramente, escrever uma bela crônica a respeito, soube que as "meninas" que lá exercem o seu talento, são as de melhor qualidade que há, inclusive sendo algumas de nível universitário, como em Cuba! A clientela, também, não poderia ser outra senão uma de fino trato, homens do mais alto gabarito, inclusive alguns ilibados pais de família. Tudo nos conforme.
Pois bem, a ilustre casa de massagem coabita o mesmo logradouro que respeitáveis famílias de classe média e professoras aposentadas, ali existem duas, sem que uma incomode a outra. Convivem pacificamente. Nenhuma das famílias jamais se queixou da inusitada vizinha, até porque, muitas das práticas que ali dentro daquele estabelecimento tomam acontecimento, se perpetuam, da mesma forma, na intimidade do quarto do pai e da mãe, sem que, no entanto, haja troca de prazer por dinheiro, embora muitas esposas sonhem algum dia, serem compensadas por executar tal obrigação matrimonial. A mim também não incomoda que ali funcione uma casa do pecado. Já tive até um vizinho político, por que então, me ofenderia se prostitutas morassem aqui ao lado? O Rio Vermelho tem de tudo, mesmo.
Fico imaginando como a empresária proprietária da casa de massagem registraria o seu negócio, caso fosse obrigada pela Receita a pagar o imposto por seus serviços prestados. Centro Recreativo e Terapêutico Tia Simara Ltda. Ou Instituto Para o Estudo de Práticas Interpessoais S.A. E por que não, Espaço Cultural e de Lazer Sobrinhas da Tia Simara?
Rio Vermelho, 27 de setembro de 2009.
Reprodução e postagem autorizadas
pelo autor : Cristiano Teixeira