sábado, 26 de setembro de 2009

Quinta-feira, 17 de Setembro de 2009


















Dia de mar batendo no Rio Vermelho - Esta foto não tem nada a ver com o texto - está aqui apenas a título ilustrativo.

Texto autorizado para publicação integral , pelo autor, Cristiano Teixeira.






O jardim dos Amados.

Outro dia, fiz para o almoço uma de minhas especialidades culinárias. Um suculento sanduiche de pão integral assado em meu forno, presunto com queijo, tomate e alface americana, aquela que parece um repolho e suas folhas são crocantes como o beijú. Não uso presunto de verdade, e sim aquilo que o fabricante orgulhosamente chama de "presunto de peito de peru light". Ele anuncia aos quatro cantos que é saudável, e eu faço as pazes com a minha consciência pois, estou finalmente cuidando de minha saúde. Depois de montar minha criação gastronomica, coloquei-a num prato sobre a janela que dá para o jardim, enquanto fui até a cozinha procurar por alguma bebida que combinasse com a iguaria. Ao voltar com o copo cheio de chá gelado, o sanduiche não estava mais lá. Simplesmente havia sumido como por um encanto. Só deixaram o prato e nada mais. Como só havia eu em casa, aquele súbito desaparecimento tomora o contorno de um caso de mistério. Eu poderia jurar a mim mesmo que eu havia feito um sanduiche e o colocado por alguns minutos sobre a janela. Dei a volta pela porta da sala até o jardim para ter uma melhor perspectiva daquele intrigante mistério e, quem sabe até, desvendá-lo. Não tive trabalho para matar a charada. Por um galho do nosso mirrado pé de pinha, um sagüi fugia levando o meu almoço!

Tornou-se comum, nos últimos tempos, o aparecimento desses macaquinhos cinza rajado pelas vizinhanças do bairro em busca de alimento. Felizmente são eles, e não aqueles ursos pretos que invadem os quintais das casas nos subúrbios americanos, atrás de comida. A tia de um amigo, moradora das vizinhanças, se queixou que um cacho de bananas sumira de sua varanda. Bananas sempre estiveram associadas à macacos, mas nunca ouvi falar que eles também apreciassem sanduiche de presunto de peito de peru light.

Soa até simpático se falar de macaquinhos que nos visitam pela janela e roubam a nossa comida. A estória ganha contornos de uma fábula bucólica que acontece em plena zona urbana. Mas a verdade para isto estar acontecendo não tem nada de encantamento. É que puseram abaixo a moradia destes bichinhos e, em seu lugar, ergueram-se arranha-céus de luxo e gosto duvidoso. Sem lugar para morar e encontrar comida, eles aparecem aos bandos às nossas janelas roubando os nossos suculentos sanduiches de peito de peru light e cachos de bananas maduros comprados na barraca do crente alí no canal. Desde que a especulação imobiliária arrasou com o Horto Florestal e adjacências, os animais que tinham lá a sua moradia desde os tempos da Criação, passaram a procurar refúgio do lado de cá, invadindo o nosso espaço. Além dos delicados sagüis, tem aparecido por aqui jandaias, pica-paus e outros bichinhos do mato.

Não tenho nada contra animais deste tipo, e até preso a sua presença. Mas acho que eles devam habitar o seu lugar natural que é o meio do mato. Enfim, cada macaco em seu galho. É lá que eles estão mais seguros e aonde eles pertencem. Acho que se eu fosse morar no mato eu seria considerado um intruso e, com certeza, não me sairia tão bem lá como aqui no meio do concreto e dos automóveis. Não deixei de ficar me perguntando onde eles estariam se refugiando agora que o Horto e adjacências haviam sido invadidos pelas construtoras. Eles vêem até as nossas casas, pegam comida e depois vão para onde? Não tornei disto outro caso de mistério, como o desaparecimento do meu almoço mas fiquei com a puga atrás da orelha.

Foi outro dia ao visitar Pedrão, amigo de infância desde os tempos de escola, que tive a minha curiosidade plenamente satisfeita. Morador de sempre da rua Alagoinhas, teve sorte de ser vizinho do querido Jorge Amado. Era um final de tarde e ficamos na varanda de sua casa jogando conversa fora e tomando uma limada gelada. O sol já tinha desaparecido por detrás das casas e quando finalmente mergulhasse no oceano, deixaria tudo às escuras. Mas ainda era dia. Enquanto conversávamos, notei uma movimentação de sangüis andando pelos fios da rede elética como esquilibristas da morte se achegando para aquelas bandas.

- A esta hora eles vão todos para o jardim de Jorge Amado. – disse Pedro satisfazendo a minha curiosidade. – Os pica-paus, jandaias e outros pássaros também passam lá a noite.

Para quem nunca teve a satisfação de um dia entrar na casa de Jorge Amado, sua melhor descrição possível são as palavras conforto e simplicidade. Nada de luxo para quem já varreu o mundo afora e conheceu palácios suntuosos. A decoração da casa é despojada e não obedece nenhuma lógica estética dos profissionais da arte de arrumar os móveis. É composta de objetos de cultura popular de todas as partes do mundo e obras de arte presentedas por queridos amigos artistas. O telhado da casa é de telha-vã como só se vêem nas casas de fazenda antigas ou habitações simples do interior. Mas o que mais impressiona é o seu jardim, enorme. O jardim dos Amados é uma pequena reserva ecológica nas vizinhanças, com árvores de tudo quanto é tipo. Parece uma mata virgem e selvagem. Isto porque, Jorge sempre se opôs à podação de suas árvores, preferia deixá-las crecer e se expandir conformes os mandos da natureza. Não é à toa que seu jardim mais pareça uma porção da mata de onde os macaquinhos foram expulsos pelas construtoras, razão pela qual eles são atraídos para lá feito formigas em açucareiro. É neste jardim também onde as cinzas de Jorge e Zélia foram depositas, à sombra da velha mangueira onde costumavam namorar sentados de mãos dadas sobre um banco de alvenaria. Jorge Amado gostava de bichinhos, por isso, acho que não é mera concidencia que eles sejam atraídos pela hospitalidade que sempre foi uma caracteristica do número 33 da rua Alagoinhas.

Rio Vermelho, 15 de setembro de 2009.

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