Acordei com o firme propósito de escrever algo lembrando a minha infância, e, a primeira idéia que me veio à cabeça é a que estou aproveitando...
Está no título e vou contar para vocês o que nós fazíamos naqueles anos do final da década de 30, início da de quarenta, do século passado.
O meu avô tinha uma casinha em Mata de São João onde também a minha avó , estou falando dos avós maternos, tinha uma dela. Cada um tinha a sua...
Assim, sempre que era possível , íamos à Mata eu e o Pasquale . A viagem começava com uma caminhada até o ponto do bonde, no passeio do armazém do espanhol , Seu Apolinário. Para ir, era preciso ir de trem, que tinha até um apelido. Era o “ pirulito”, e saía da estação de Calçada às 5 da tarde. Mas eu não entrava nessa de ir pegar o trem na central da Calçada. Eu tinha que ir pegá-lo em Plataforma! Meu avô , com santa paciência , sempre me contentou. Isto significa dizer que nós pegávamos um bonde no Rio Vermelho para ir até a praça Municipal, descíamos o elevador Lacerda, e pegávamos outro bonde ( era, evidentemente, época de bondes, mas , já elétricos ) na praça Cayru, para a Ribeira, para, daí, tomarmos uma canoa, sim, canoa mesmo ,para atravessarmos o braço de mar conhecido como porto dos tainheiros e íamos para o outro lado esperar o trem ...Claro que era uma viagem que levava tempo, mas não era nada desagradável. Os bondes eram abertos e eu, naqueles idos, não sentia o calor do qual o meu avô, discretamente, de vez em quando reclamava...
Acomodados no Pirulito , começava a outra parte da nossa viagem e só íamos chegar em Mata já noite escura, umas duas horas depois. Eu acompanhava da janela os fios do telegrafo que seguiam paralelos à linha do trem . De vez em quando, parávamos em alguma estação, mas não demorávamos. Priiimmm , era o apito do chefe do trem que autorizava a partida e puf,puf,puf, o barulho da locomotiva saindo e aumentando a velocidade enquanto jogava no ar uma fumaça preta da lenha queimada e transformada em carvão e brasa. Muitas vezes, a fumaça entrava pela minha janela e os olhos ardiam ou, até mesmo, uma fagulha lançada pela chaminé, me atingia num olho e o meu avô , pacientemente o limpava...Enquanto o tempo passava e a noite começava a chegar, vinha a sonolência e eu acabava dormindo para ser acordado já na estação de Mata de São João. Tínhamos que caminhar um pedaço para ir para casa , à luz de lampiões fedorentos que funcionavam a carbureto ou, então, nada de lampiões , bastava a luz da lua cheia para nos mostrar o caminho de casa . Uma delícia, caminhar sob o luar e olhar para o céu apinhado de estrelas.
Sempre ficávamos alguns dias por lá e eu adorava passar o sábado e o domingo porque no sábado havia aquela feira tradicional de cidades do interior. Durante a semana você não via ninguém, mas, no sábado , aparecia tanta gente que não sabia de onde tinha saído. No domingo, ainda tinha um restinho...
A volta, é a mesma história, contada ao inverso . Eu estava me esquecendo de falar dos túneis que encontrávamos no caminho. Quando entrávamos em um deles , a fumaça da Maria fumaça retida em cada um deles, invadia os vagões e todos os passageiros tinham a sua dose, além de ficarem com os olhos ardendo, evidentemente. Alguns deles, costumavam viajar usando guarda-pós... A torcida, agora, era chegar à Plataforma, para pegar a canoa de volta para casa. Melhor explicando, a canoa, era, apenas, a segunda etapa do retorno...
Já me perguntaram porque falo sempre do meu avô. Não dá para esquecer a nossa amizade e mesmo porque, morando em Salvador, eu me encontro constantemente com ele. Se vou à Barra , vejo o Christo Salvador, esculpido por ele . Se vou à praça de São Pedro, vejo o relógio (base) e a estátua do Barão do Rio Branco. Se vou à praça da Sé, passo pelo monumento a Castro Alves. Se ando pelo Centro histórico , passo por diversas obras suas. Se entro no Palácio Rio Branco, só ali tem quatro trabalhos do Pasquale. Se desço o Lacerda, vou sair na Praça Cayru, onde o monumento à figura ilustre foi obra de sua autoria. Vivendo numa cidade como Salvador, cheia de obras dele, não dá para esquecer o velhinho conhecido como “ Professor Pasquale “. Não o Professor Pasquale, fera na língua portuguêsa, mas a fera nas artes da escultura e do desenho, que foi professor da Escola de Belas artes durante 40 anos, até a sua morte em 1943.
Ele morou o tempo todo aqui no Rio Vermelho , foi o pioneiro dos artistas no bairro , ali na Av. que antigamente era Getúlio Vargas e agora é ,simplesmente ,conhecida como avenida Oceânica. Hoje, o seu endereço seria “ Rua da Sereia “ , quase na Ondina.
]
Sarnelli 06.12.2009
A gare de Calçada
Nenhum comentário:
Postar um comentário