O balança mas não cai da rua Feira de Santana
Por Sarnelli
Uma história, para os moradores mais novos do Parque Cruz Aguiar.
Quando cheguei ao Parque , há 52 anos , no local onde está aquela estrutura abandonada e que hoje parece um queijo suíço, eram apenas dois lotes de terrenos baldios cheios de mato e onde alguns moradores colocavam lixo que atraía ratos . O vizinho do outro lado, se divertia atirando com espingarda de chumbinho.No fundo do nosso quintal, nós matávamos ratos de espingarda ! O Parque, evidentemente, não tinha as construções que tem hoje e estava muito longe do centro da cidade...Era, ainda, o que se poderia dizer uma pequena cidade do interior onde reinava a tranqüilidade e os portões podiam ficar abertos sem o menor perigo. Até colocávamos cadeiras nas sombras dos passeios, nos fins de semanas, para jogar dama , dominó e xadrêz...com os vizinhos. Exatamente como se faz no interior.
Ainda não se vivia trancados dentro de casa e protegidos por grades em todas as janelas.
Pois bem , os dois lotes pertenciam à uma viúva e a construção no local era difícil, porque a rua paralela à Feira de Santana , ou seja, a Conquista , é muito elevada, formando um alto talude – que ficaria nos fundos da casa ou das casas ( uma ou duas ) acima do nível dos telhados. Apareceu o que deveria ter sido a solução. Os lotes foram entregues a um incorporador que contratou uma construtora e começou a vender.
Deveriam ser três andares para a rua Feira de Santana e três para a Conquista, para evitar a necessidade de colocar elevadores. A construção começou , ia de vento em popa, mas, de repente, parou...
Isto foi lá por volta de uns quatro anos depois de eu ter aqui chegado , digamos, por volta de 1962 (!).
Na gestão do prefeito Jorge Hage, conseguimos dele mão de obra, cimento e areia e os moradores se cotizaram para a compra dos blocos de cerâmica para o fechamento de parte do prédio. Térreo, primeiro e segundo andares. Só que, na horinha de fechar em definitivo as paredes, funcionários da própria prefeitura já ficaram instalados por dentro, dando-se aí o início da invasão que durou dezenas de anos. Com parte do prédio fechado em blocos, os novos moradores iam fechando cômodos com quaisquer materiais que encontrassem por aí. Chapas, taboas, placas de anúncios, enfim, transformaram os seis andarem numa invasão vertical e nela ficaram dezenas de anos e ali havia de tudo. Todo tipo de gente. A presença de viaturas da polícia para levar alguém era uma constante.
Não havia luz. Claro, vamos fazer gatos na rede da companhia! Não havia água . Vamos procurar por aí ou mesmo usar o recurso do gato na rede pública. O pessoal era muito habilidoso nesse tipo de coisa. Não havia torneira de jardim que resistisse. Esgoto ? Faziam as necessidades em sacos e despachavam como” pombos” para os quintais vizinhos. Era uma procissão diária de lata d’água na cabeça e gente toda hora batendo na porta para pedir isso ou aquilo, todo tipo de coisa, enfim – sal, açúcar, sabão , feijão, arroz ...
É preciso levar ainda em consideração, a presença de gatos e cachorros, já que muitos dos moradores tinham os seus companheiros fieis e seus animaizinhos de estimnação...que viviam dos restos atirados lá de cima...
A área se encheu de ratos que viviam de barriga cheia com os restos de comidas do pessoal do prédio que eram jogados ao térreo que, logicamente, se transformou num chiqueiro e criatório de ratos e até de cobras !
Enfim, todo o Parque, mas , a rua Feira de Santana , principalmente, se transformou num inferno. Até as portas das nossas casas precisavam ser protegidas por chapas de metal porque os ratos as roíam para entrar nas residências.
Tudo aconteceu porque o incorporador era um conhecido mau caráter de ficha suja na praça. Da planta do edifício, ele vendeu o mesmo apartamento a três ou mais pessoas. E tinha outros problemas no mercado, até que um dia ele foi assassinado por algum seu prejudicado , na cidade de Juazeiro. As obras pararam por falta de recursos, a construtora retirou os seus operários e suas máquinas, dando início à novela.
Houve construtoras que se interessaram pela compra da estrutura quando ela ainda estava em condições, mas as exigências dos proprietários e ou dos herdeiros, fizeram com que nenhuma negociação fosse a bom termo.
Foi na gestão da Prefeita Lídice da Mata , com a interferência de um vizinho que não gosta de aparecer , do trabalho do então vereador Daniel Almeida que se conseguiu desocupar o prédio. A Assistência Social da Prefeitura cadastrou os moradores , a Prefeitura deu uma certa importância a cada um dos moradores deslocados e nós, do bairro , providenciamos transportes para os pertences das pessoas.Cabe assinalar, deixando de lado a modéstia, que quem deu início ao processo fui eu, que culminou com a desocupação do prédio, mas com a colaboração das pessoas já citadas. Foi um longo processo.
Dias depois de tudo isso, apareceram dois homens de marretas nas mãos e destruíram as Lages para que o prédio não viesse a ser novamente ocupado.
Os anos se passaram e chegamos aos dias de hoje. O problema é da prefeitura que não tem recebido impostos e quem deveria adotar uma providência, Também é assunto da Justiça , onde os processo devem estar embolados de acordo com os pleitos dos herdeiros...Também, se a estrutura não está no caminho empatando a passagem , por que a Prefeitura vai se incomodar com ele , quando está deixando de fazer coisas muito mais importantes para a cidade ?
Na época do prefeito Fernando José , chegou a ser publicado um Decreto de desapropriação para fins de utilidade pública, mas nada foi feito. Venceu o prazo e o Dec. Ficou sem efeito.
No entanto , a julgar pela situação de hoje , com o Parque , totalmente sufocado e invadido por empresas , já tendo perdido praticamente a sua condição de bairro residencial, seria até melhor não mexer no assunto porque já não cabe mais nada aqui dentro.
No momento , estamos com um outro problema, que é uma obra irregular na esquina da Feira de Santana com a praça Dr. Carlos Batalha que dizem que virá a ser um restaurante , um big restaurante que, certamente, vai trazer para o pedaço mais gente, mais veículos e mais intranqüilidade para os moradores que lutam para defender o seu pedaço, inclusive eu que estou neste endereço há 52 anos, que também luto para não ser obrigado a sair do bairro. O que nos deixa pasmo é que essa obra teve o seu requerimento inicial indeferido , já foi notificada, interditada, está lacrada pela SUCOM, mas os trabalhos continuam como se não existissem autoridades na nossa cidade.
Desse jeito, onde é que eu vou morar ? Não é assim que diz a canção ? Mas é uma dura realidade para quem conheceu uma Salvador com apenas cerca de 150 mil habitantes.